domingo, 3 de maio de 2009

2008

Do dia em que seremos felizes


Sinto frio nos pés. E o estômago revira. Sinto vontade de abrir a porta do escritório. Colocar os óculos escuros. Ligar o discman. Passar pela recepção. Não cumprimentar ninguém. E andar pelos próximos quarteirões sem saber para onde vou. Olhar o céu com aquele tom acinzentado de Ray-ban. Sentir o cabelo balançar conforme o vento. Assistir o balançar dos pés, um de frente ao outro. Me perder na confusão de minhas idéias. Me fundir com as letras das músicas que gritam nos meus ouvidos. Acreditar que eu sou uma nota. Dessa que sai bailando pelo ar e encontra outros ouvidos. Talvez, se fosse uma folha. Ou se fosse um pensamento. Este meu pensamento, que não sai da faixa número um. Fica ali repetindo as mesmas sílabas, as mesmas letras, as mesmas palavras, frases e desejos. Fico aqui reformulando o que deveria ter dito, ou não dito. O que poderia ter feito ou não feito. Como eu poderia voltar no tempo, ou avançá-lo para frente. Queria implorar para o cosmo: volta.

O sol me compreende e organiza um espetáculo à parte, para que meus olhos observem o ínfimo de mim. Um arco de luz envolve a bola quente chamada sol, e eu escolho me cegar à sua luz. Melhor cegar do que enxergar o que não suporto ver. E ando. Caminho. Canto. Rezo. Choro. Vomito. Leio. Penso. Ouço. Sinto. Sonho. Morro.

Um pouquinho por dia. Desde o dia que não te senti mais aqui. Um milímetro por segundo de mim se esvai neste ralo de vida. E eu penso que não sou nada. Que por mais que pense que sei tudo. Ou quase. Ou metade. Um terço. Um milímetro e meio não sou mais. Sou cinco quilos a menos. Sou olheiras. Sou enjôo. Sou incompreensão. Sou tristeza. Sou sua.

E vou morrendo um pouquinho por dia. Até não ser mais. Ou até ser demais. Não sei. E pé ante pé, penso. Não sei mesmo. Do que é feita a terra? E quem era deus mesmo? Música errada. Faixa número dois. Silencio o grito. Sufoco o vômito. Procuro o mapa. Aquele mesmo mapa que me mostrará onde foi que eu te perdi. Em que encruzilhada escolhi o caminho oposto? Em que discurso escolhi as palavras tortas? Em que trecho desse livro pulei o parágrafo certo?

Seria melhor realmente sair do escritório. Apagar essa consciência de vida. Ser nada. Ser eu. Ser nem sei quem. E, ainda, seria melhor ainda correr. Para afastar os fantasmas de um passado feio que me espanta. E correr para um futuro com o qual sonho todos os dias. E o dia em que seremos felizes? Eu espero. Faixa certa. Número três. Poprockdediscman.

Vou sentar naquela cadeira de metal com linhas de plástico, que ficam na frente das casas de avós. Abrir uma lata de refrigerante e me contentar em olhar a vida passar. As pessoas passarem. Os quilos passarem. Os anos passarem. E a minha solidão se conformar.

Se é que solidão se conforma. Solidão se acomoda. Se acorda um dia, olha no espelho. Escova os dentes. Vai trabalhar. Volta pra casa. Assiste novela das oito. Dorme. Sonha com a vida que gostaria de ter. E acorda de novo. E eu pediria nos sonhos: volta! E eu pediria em cada dia: segunda chance.

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